We’ve updated our Terms of Use to reflect our new entity name and address. You can review the changes here.
We’ve updated our Terms of Use. You can review the changes here.

Pesadelo: (Volume 1) Succubus

by Fredé CF

/
  • Streaming + Download

    Includes high-quality download in MP3, FLAC and more. Paying supporters also get unlimited streaming via the free Bandcamp app.
    Purchasable with gift card

      name your price

     

1.
Fala incidental: “Quem sou eu? Não interessa. Como também não me interessa quem é você. Ou melhor, não interessa quem somos. Na realidade, o que interessa é saber o que somos. Não se dê ao trabalho de pensar, porque a conclusão final seria a loucura. O final de tudo para o início do nada. A coragem inicia onde o medo termina. O medo inicia onde a coragem termina. Mas será que existem a coragem e o medo? Coragem do que? Medo do que? Do tudo? O que é o tudo? Do nada? O que é o nada? A existência. O que é a existência? A morte. O que é a morte? Não seria a morte o início da vida? Ou seria a vida o início da morte? Você não viu nada e quer ver tudo. Viu tudo, mas não viu nada. Teme o que desconhece e enfrenta o que conhece. Por que teme o que conhece e enfrenta o que desconhece? Sua mente confusa não sabe o que procura, porque o que procura confunde a sua mente, e nasce o terror. O terror da morte. O terror da dor. O terror do fantasma. O terror do outro mundo. Agora, vê no terror que nada é terror. Não existe o terror, no entanto o terror o aprisiona. O que é terror? Ah, não aceita o terror porque o terror é você!” (Voz de José Mojica Marins no filme O Estranho Mundo de Zé do Caixão. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=pfAEaK95PAU&t=56s Acesso em: 22/08/2022).
2.
(E E7 F) Sweet darkness Welcome to my world Beyond the black and white Where the shadows shine Sweet darkness Please, suck my kiss Shake my hips Smell my spirit full of lies To feel my mind To touch the sky (Am C C9 C) This is a gray world Mixed colors with the day Painting sorrows to play Infinite shades of gray (E E7 F) Sweet darkness Please, just take my hand Give peace a chance And take me to some dance Sweet darkness Stay here, all the time I won’t deny what is fine To feel my mind To kiss the sky Full of lies (Am C C9 C) This is a gray world Mixed colors with the day Painting sorrows to play Infinite shades of gray (E E7 F) Sweet darkness I will go with the flow I say “goodbye”, you say “hello” Sweet darkness To believe in some hope Someday I will hug you To touch and kiss the sky To feel my mind Full of lies To touch the sky To kiss the night Tonight…
3.
A representação simula ao fundo O que não é mais mundo Fecho os olhos com vontade Do escuro surgem sons, imagens que se perdem da realidade Aparentemente desconexo acesso dimensões sombrias pelo tempo e espaço arruinados Luzes (Sonhos) penetram a dançar No silêncio onírico absurdo da minha tela mental particular (The Black Dog walks at night) Narrativas me apresentam A quem de mim mesmo não conheço Sonhando, enfim, me conecto ao caos que habita aqui dentro do meu peito Um olhar interno Solitário Um universo inteiro a explorar Luzes (sombras) penetram ao dançar No silêncio onírico absurdo dessa minha tela mental particular
4.
Me lembro que hoje sou a versão mais jovem de todas que serei durante a vida que ainda me resta diante de tudo que eu ainda não sei portanto, vivo agora sem parar no tempo parar o tempo eu sei criar, mudar, refletir, integrar o que sou agora viverei estou pra sempre nunca mais Agora sou A versão mais jovem de todas que serei
5.
(Am C E) O que seria do mar Sem barcos pra navegar? O que seria da estrada Sem ninguém nela pra rodar? (Am C E) O que seria da vida Sem a morte pra encerrar? O que seria do céu sem os pássaros assoviar? F Retira acima o véu Am Do infinito tempo ao voar F Já que tudo se acaba Em instantes desaba D Não adianta querer não mudar Am C E Façamos um brinde ao caos! (Am C E) O que seria da escrita Sem a loucura de rir ou chorar? O que seria da gente Sem conhecer o poder de amar? (Am C E) O que seria um amigo Sem nunca poder errar? E o que seria da arte Sem o poder de experimentar F Foi num grito visceral Am Que me encontrei como tal F Desiludido, destruído, sem sentido Am Mudo, sem igual F Entre a razão e a emoção D Na finitude daquilo que transborda Am Na certeza que tudo vai mudar C E Façamos um brinde ao caos! (2x) Am
6.
Canto incidental: “Om kalikaayae cha vidhmahe Shamshaanvaasinyae dhimahi Tanno aghoraa prachodayath” (Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Z6UBFBGiGDU&t=1745s Acesso em: 22/08/2022).

about

SOBRE O ÁLBUM “PESADELO” DE FREDÉ CF, DIVIDIDO EM DOIS VOLUMES: “SUCCUBUS” E “INCUBUS”

O álbum “Pesadelo” (2022) foi todo gravado, mixado e produzido pelo smartphone e se refere ao horror, ao inquietante, às sombras, à escuridão, tanto interna quanto externa. Tanto metafórica quanto literal. Tanto onírica quanto em vigília. Tanto pessoal quanto social. O álbum é composto por dois volumes (EPs) lançados separadamente no YouTube e no BandCamp como dois atos de um pesadelo psicobinário mekHanTrópico nas datas:

- (Vol. 1) Succubus: 22/8/22 as 06:09
- (Vol. 2) Incubus: 6/9/22 as 22:08

Esses volumes trazem 6 faixas cada um com temáticas, conceitos e poéticas onírico-filosóficas inseridas no universo ficcional transmídia de “MekHanTropia”. A obra conta com participações especiais diversas e com inserções incidentais ressignificantes. Os títulos “Succubus” e “Incubus” são oriundos de nomes atribuídos a demônios sexuais oníricos sugadores de energia, que assombram os inconscientes psicobinários mekHanTrópicos durante o sono, regulando as subjetividades dos indivíduos (bovíduos) deste universo.

As duas capas dos EPs são de autoria do Ciberpaje Edgar Franco e representam os gêneros de cada um desses demônios, sendo “Succubus” um demônio feminino e “Incubus” um demônio masculino. A reflexão sobre esse "binarismo anticósmico" (termo pensado inicialmente pelo Ciberpajé) foi instigada por conversas no grupo de pesquisa “Cria_Ciber: criação e ciberarte”, do Programa de Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual da UFG, e está presente em todo o conceito do álbum como uma crítica à linguagem digital binária dos “zeros” e “uns” que aniquilam as zonas cinzentas de subjetividades e nuances típicas do ser humano. Em MekHanTropia, tais demônios institucionalizam oniricamente o (psico)“Binarismo Anticósmico”.

Coloco separações binárias contrastantes em perspectiva para reflexão sobre nossa sociedade, a partir de aspectos como par x ímpar, masculino x feminino, bem x mal, positivo x negativo, carbono x silício, analógico x digital, acústico x eletrônico, sim x não, preto x branco, caos x ordem, vida x morte, desenvolvido x subdesenvolvido, rico x pobre, urbano x rural, arte x entretenimento, entre outras, como se fossem definições absolutas que são questionadas pelo eu-lírico imerso em sua subjetividade por meio dos sonhos. Sonhos esses que são tidos como pesadelos pelo sistema, por destoarem das narrativas oficiais padronizadas de MekHanTropia, onde não há espaço para as subjetividades, complexidades, contradições ou fragmentações humanas, ou seja, onde as “zonas cinzas” foram extintas.

Em MekHanTropia não há mais limites que separam a realidade validada da realidade virtual. Os personagens transitam entre elas sem saber diferenciá-las, sendo essa (dis)simulação sobre a realidade a principal forma de controle pelo sistema. Algumas dessas relações psicopolíticas de controle “voluntário” sobre as pessoas, em meu universo, são pensadas sobre as estratégias que o sistema utiliza para se aproveitar da egoificação e narcisificação crescentes do ser-humano atual, atuando na cooptação disfarçada de liberdade, definhando o pensamento crítico e legitimando o consumo. As Realidades Vegetais, o mundo onírico e a arte talvez sejam algumas saídas possíveis de reexistência.

A primeira faixa do Volume 1 chamo de “O Estranho Encontro de Jurupari com Zé do Caixão em MekHanTropia”, pois faz referência ao ritual indígena homônimo com sonoridades típicas extraídas de rituais indígenas à Jurupari. Entre outros significados, essa palavra tem relação com o “pesadelo”, com o “mal” e com o “demônio”. Os portugueses na colonização brasileira, de maneira desorganizada e não-homogênea trouxeram um projeto de domínio totalizante da cultura aqui encontrada. Para isso, líderes religiosos vieram do velho mundo e tiveram que fazer sincretismos entre suas narrativas e símbolos sagrados com as mitologias dos povos que aqui se encontravam. “A catequese católica precisou forjar um deus com os elementos das mitologias nativas e, assim, criou |Tupã. Mas um opositor a Tupã fazia-se também necessário, e este papel de diabo coube a Jurupari” (CORSO, 2004, p. 109). Em uma de suas versões, Jurupari era um ser que provocava pesadelos e impedia as vítimas de gritar por socorro. Esta lenda foi estimulada e distorcida por religiosos que identificavam as práticas indígenas como maléficas. Porém, antes da presença europeia por aqui, Jurupari tinha outros significados, relacionados à figura de um herói invisível enquanto criança (filho da virgem Ceuci, que comeu uma fruta proibida e foi fecundada pelo suco dessa fruta que escorreu por suas partes íntimas e a fecundou) legislador e sábio, que, ao se tornar adulto passou a ser visto e trazia ensinamentos diversos aos seres humanos.

Esse ser tem uma relação conturbada com o que é feminino, sendo que “os rituais a Jurupari eram proibidos às mulheres, e essas pagavam com a morte à desobediência, tanto que, quando sua própria mãe espiou um ritual exclusivo dos homens, foi transformada em pedra” (CORSO, 2004, p. 110). Etimologicamente, seu nome está ligado ao “silêncio”, ao “segredo” e ao “calar a boca”, assim muito sobre seus ritos são ainda envoltos por mistério. Jurupari também aparece como em algumas histórias como “filho do Sol que o mandou à Terra com a missão de buscar-lhe uma esposa. A futura esposa do Sol deveria possuir três virtudes: ser paciente, guardar segredo e não ser curiosa. Juruari ainda procura uma mulher que reúna os três atributos, e o Sol segue solteiro” (CORSO, 2004, p. 110).

A voz do Zé do Caixão reforça essa relação conceitual da faixa e do álbum como um todo, aludindo ao personagem cinematográfico do horror brasileiro que tem como característica a busca por uma mulher ideal para conceber um filho puro seu. As palavras reflexivas professadas pelo personagem de José Mojica Marins introduzem conceitos do álbum, como medo, culpa, sonhos, hipocrisias, negações e loucura. Ele diz no filme O Estranho Mundo de Zé do Caixão (1968):

"Quem sou eu? Não interessa. Como também não me interessa quem é você. Ou melhor, não interessa quem somos. Na realidade, o que interessa é saber o que somos. Não se dê ao trabalho de pensar, porque a conclusão final seria a loucura. O final de tudo para o início do nada. A coragem inicia onde o medo termina. O medo inicia onde a coragem termina. Mas será que existem a coragem e o medo? Coragem do que? Medo do que? Do tudo? O que é o tudo? Do nada? O que é o nada? A existência. O que é a existência? A morte. O que é a morte? Não seria a morte o início da vida? Ou seria a vida o início da morte? Você não viu nada e quer ver tudo. Viu tudo, mas não viu nada. Teme o que desconhece e enfrenta o que conhece. Por que teme o que conhece e enfrenta o que desconhece? Sua mente confusa não sabe o que procura, porque o que procura confunde a sua mente, e nasce o terror. O terror da morte. O terror da dor. O terror do fantasma. O terror do outro mundo. Agora, vê no terror que nada é terror. Não existe o terror, no entanto o terror o aprisiona. O que é terror? Ah, não aceita o terror porque o terror é você!"

Eu quis utilizar esses seres também como referência conceitual no sentido do pesadelo e do patriarcado que assola o país diante do bolsonarismo instituído, com base nas bancadas do boi, da bíblia e da bala, saudosos da ditadura militar. Algumas faixas caminham nesse sentido, representando o genocídio operado por essa necropolítica que assola o universo de MekHanTropia. O álbum funciona como uma distopia imersa nas entranhas daquilo que é visível na utopia mekHanTrópica. Falo sobre o vazio PÓStumo nessa relação entre as realidades mekHanTrópicas projetadas como ilusões aos sentidos. Vazio este que se encurta cada vez mais no hiperfluxo hiperinformacional. Penso que as máquinas podem criar âncoras na gente (e geralmente é o que acontece em função do sistema da hiperprodutividade), mas também podem soltar a imaginação. O problema, assim, talvez esteja nas maneiras como as máquinas estão sendo usadas e fruídas nesse universo, gerando distúrbios materializados enquanto pesadelos aqui.

Certa vez, o Amante da Heresia (Leo Pimentel) citou Douglas Adams, ao falar sobre uma obra minha, colocando que "nada é impossível. mas altamente improvável". Essa citação me fez pensar que entre o impossível e o improvável há a vida em toda a sua complexidade e possibilidade, e, por isso, há resistências e reexistências nos entremeios totalitários binários. A vida e suas nuances como a tão clamada resistência, assim como a arte. E a morte não deveria ser um pesadelo, pois faz parte da vida (e da arte) e nos estapeia a cara constantemente mostrando que tudo é movimento, tudo muda o tempo todo.

À luz de Han em sua “Filosofia do Zen Budismo” (2020), num movimento de des-apropriação de tudo que se coloca como “o que é”. Rastros in-significantes. Pinceladas de ausência. Como se o vazio fosse entendido enquanto um meio de afabilidade entre as imagens que passam umas nas outras constantemente. Imagens cada vez mais aceleradas pelas máquinas mekHanTrópicas. Um desprendimento intenso entre a ausência e a presença, entre Ser e não Ser, sem expressar nada em definitivo. Nada urge, nada se limita, nada se fecha, e ao mesmo tempo tudo se aconchega e se espelha no fluxo binário delirante ilusoriamente indolor. A dor é inerente e, talvez, a causa maior dos medos e, substancialmente, dos pesadelos. Não adianta querer que as coisas sejam imóveis e imutáveis…nem na morte elas são. Não temos esse domínio ilusório. Acha-se que temos o poder de domínio sobre o caos…doce ilusão…é por isso que penso que cada momento é importante, porque nunca sabemos o que acontecerá no momento a seguir.

Cada vez presta-se menos atenção aos momentos. Na possibilidade e na probabilidade de viver está presente muita dor e sofrimento (utilizados como estratégia de cooptação pela anestesia), mas também afetos, amor e alegrias presas nos instantes cada vez mais curtos e fugazes aniquilados pelo hiperfluxo e hipercompetição…instantes mágicos que se diluem sem pausa nas telas do mundo 24/7. Mas na morte, a princípio, não há dor, então esse álbum não fala sobre a morte, mas sobre a vida, em essência.

As faixas falam sobre o autoconhecimento e o olhar voltado para dentro, pra própria escuridão, vasculhando os resquícios de elementos culturais que vem de fora e tentando se libertar de estigmas amalgamados ao espírito aniquilando a potência do ser, abraçando a escuridão e integrando-a como parte de si, desassociada do olhar e do julgamento do “outro”, algo cada vez mais complicado de ser feito nos tempos mekHanTrópicos instituídos de hipercomparação.
Verso sobre elementos que envolvem a existência, como o tempo, os espaços, os pensamentos, a vida, a morte, os sonhos, o envelhecimento, a juventude, o movimento, o caos, o ódio, a dor, o sofrimento, o amor, os afetos, entre outros aspectos.

A faixa “Sweet Darkness” foi criada durante a minha contaminação com Covid-19 em maio de 2022 e versa sobre o olhar às sombras em tempos de solidão e doença. Na letra abordo temas relativos ao mergulho reflexivo do eu-lírico nas sombras pessoais e sociais, num cenário de binarismos maniqueístas tecnológicos que fomentam as intolerâncias, hipercompetitividade, burnout, ansiedade, depressão, entre outras mazelas psicoemocionais.

A faixa “Tela Mental Particular” conta com a participação especial do guitarrista da banda Cão Breu, o Guilherme Tell, tocando psicodelias com suas cordas lancinantes. A letra aborda uma reflexão do eu-lírico sobre sua consciência associada ao sistema instituído, pensando sobre sua subjetividade (ou o que ainda sobrou dela).

A faixa “A Versão Mais Jovem” retrata uma crise de meia idade que transborda no inconsciente do eu-lírico acessando seus sonhos e, por vezes, influenciando em aspectos práticos de sua vida cotidiana mekHanTrópica.

A faixa “Um Brinde ao Caos” conta com texturas e ambientações sonoras oníricas feitas pelo Maurício Mota (MMota), DJ, designer, arquiteto, pesquisador e musicista, que, além dessa participação, me ajudou bastante com reflexões sobre as frequências das faixas. Pensei na textura que o MMota me enviou para iniciar e finalizar essa música, como um ciclo de eterno retorno, oroboros, ying e yang. O início e o fim envolvendo o meio, no caso a música pré-existente. Senti uma calma profunda no som que dialoga com a proposta dessa música sobre contrastes abordados pela letra e pela musicalidade, ora mais intensa ora mais calma. O som me traz uma sensação de calma da natureza em meio a loucura tecnológica cotidiana e o caos presente em essência tanto na natureza quanto na urbanidade. O caos como essência cósmica, espacial, micro e macro de todas as coisas e de nós mesmos como parte da natureza. Como um animal que insiste em se deslocar e matar o próprio habitat para viver fora dele, em hiperrealidades representacionais, achando que somos melhores que os outros seres. Esse mesmo animal que, pra não pirar de vez, precisa voltar pra conexão de sua essência natural cada vez mais escassa pela destruição. Uma ode ao Caos da existência!

A faixa intitulada “EletroShock (Kali Gayatri Mantra)” faz alusão à deusa indiana Kali, além de haver uma referência ao Cão Breu andando nas sombras noturnas pela frase dita durante a música: “The Black Dog walks at night”. Na mitologia oriental, Kali é uma deusa muito poderosa e muitas vezes temida. Esse temor vem muito de sua aparência e da ignorância sobre a dualidade que ela representa: bem e mau, claro escuro, etc. Os contrastes permeados pelas nuances que se dão nesses entres maniqueístas binários. Kali tem relação com a noite eterna, com o poder do tempo, o infinito e a transformação inexorável. A destruição para recriar. Kali é representada pela cor preta em alusão à escuridão, estágio inicial de todas as cores e de onde vem a iluminação. Ela traz uma guirlanda de cinquenta cabeças humanas, representando letras do alfabeto sânscrito, o que simboliza o conhecimento e a sabedoria. Ela usa também um cinto de mãos humanas decepadas, representando os principais instrumentos de trabalho e, metaforicamente, a ação do karma. Ela representa a libertação dos ciclos do karma. Seus quatro braços simbolizam o círculo da destruição (lado esquerdo) e da criação (lado direito), representando os ciclos e ritmos inerentes ao cosmos. Ela segura uma espada ensanguentada e uma cabeça decepada. A cabeça da ignorância e a espada do conhecimento. Seus três olhos representam o Sol, a Lua e o Fogo, com os quais ela pode observar o passado, o presente e o futuro. Esses poderes também dão origem ao nome “Kali”, que vem de “Kala”, o termo sânscrito para “Tempo”.
Kali representa a morte do ego, que vê nela uma terrível ameaça. Sendo assim, em uma cultura cada vez mais egóica verá Kali como algo assustador. O mantra cantado na faixa diz: “Om kalikaayae cha vidhmahe Shamshaanvaasinyae dhimahi Tanno aghoraa prachodayath”.

De forma geral, o sono é, ainda, uma barreira de resistência contra o sistema, se estabelecendo como um refúgio anticonsumista. Quando dormimos não estamos consumindo desvairadamente, nem tampouco sendo seduzidos diretamente para isso, embora cada vez mais consumimos nosso sono com telas luminosas que iluminam rostos antes e durante o adormecer. Todavia, o sono demanda um desligamento da nossa atividade junto aos aparelhos para que entremos em um estado de inoperância e inatividade. Para haver o sono, deve-se haver a desconexão da realidade virtual e a imersão na realidade onírica transcendental do inconsciente. Somos deslocados a um ambiente desprovido de aquisições materiais. Abandonamos, ao dormir, os cuidados e a dependência de outrem e acessamos novas modalidades de relacionamento com o tempo, no limiar entre o natural e o social, pelo imaginário. Em oposição, cada vez mais o sistema atua nos instituindo uma desfundamentalização do sono e do descanso, seduzindo-nos por ideais de prazeres que vem em forma de dados vendidos às empresas pelas redes telemáticas. Os remédios, as drogas sintéticas, as tecnologias, as ideias de bem-estar, os divertimentos e até mesmo a arte e outras possíveis resistências são esvaziadas de sentido como estratégia de cooptação pelos tentáculos do neoliberalismo, acelerando-nos rumo à produtividade de forma cada vez mais clara. Talvez seja esse o maior de todos os pesadelos pensados nessa obra: o horror de não se ter controle sobre o que se pensa, mostra e sente, imerso em um fluxo onírico de fragmentação infinita hipercultural.

Por fim, no dia 06/09/2022, instituído como o “Dia do Sexo”, será lançado o Volume 2 intitulado “Incubus” desse álbum duplo horripilante de EPs. Até lá!

Referências:
FRANCO, Edgar (a.k.a. Ciberpajé). Renovaceno. Brasil: Editora Merda na Mão, 2021.
HAN, Byung-Chul. Agonia do Eros. Petrópolis: Vozes, 2017.
HAN, Byung-Chul. No enxame – perspectivas do digital. Petrópolis: Vozes, 2018.
JUNG, Carl Gustav. Sobre sentimentos e a sombra: sessões de perguntas de Winterthur. Trad. Lorena Richter. 2ª ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 2015.

credits

released August 22, 2022

Ficha Técnica:
Fredé CF: vozes, violões, baixo, percussão, samplers, sintetizadores, gritos, ruídos, gemidos, edições, mixagens, capturas e apropriações.

Participações Especiais:
Edgar Franco (Ciberpajé): Arte das capas.
Guilherme Tell: violões na faixa “Tela Mental Particular”.
Maurício Mota: texturas e ambientações sonoras na faixa “Um Brinde ao Caos”.

Elementos poéticos incidentais:
Faixa “O Estranho Encontro de Jurupari com Zé do Caixão em MekHanTropia”:
Fala de José Mojica Marins extraída de um trecho do filme "O Estranho Mundo de Zé do Caixão" (1968). Disponível em: www.youtube.com/watch?v=pfAEaK95PAU&t=56s Acesso em: 22/08/2022.
Sons de instrumentos indígenas extraídos de "Jurupari - Raimundo Caetano Grupo de música Desana - A musica das cachoeiras". Disponível em: www.youtube.com/watch?v=0Kva1pLzjIM . Acesso em: 22/08/2022

Faixa “EletroShock (Kali Gayatri Mantra)”:
- canto de mantra “Kali Gayatri 108 x”, retirado do Canal Mantras com Significado - Vanessa Friggo” no YouTube. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=Z6UBFBGiGDU&t=1745s Acesso em: 22/08/2022.

license

all rights reserved

tags

about

Fredé CF Brazil

MekHanTropia é um universo artístico transmídia experimental DIY de autotransformação do artista multimídia, doutor em Arte e Cultura Visual (UFG), prof. de fotografia, artes e audiovisual, baixista das bandas Cicuta e Cão Breu, Fredé CF (Frederico Carvalho Felipe).

Dark-folk-eletro-punk-psicodelico de trincheira.

Site: mealuganao.blogspot.com

Vídeos: www.youtube.com/user/fredcfelipe
... more

contact / help

Contact Fredé CF

Streaming and
Download help

Report this album or account

If you like Fredé CF, you may also like: